
O país arde, e a mudança não chega! Haja coragem para agir!
Portugal volta a arder. O país não está preparado para ondas de calor, secas prolongadas e fenómenos climáticos extremos que deixaram de ser exceção. Persistimos em respostas imediatistas, como faixas de gestão de combustível, que falham ano após ano e degradam o território. É urgente reconhecer: nunca eliminaremos o risco de incêndio. Mas podemos geri-lo de outra forma, com maior vigilância em áreas críticas, diversificando a paisagem e apostando em sistemas produtivos mais resilientes ao fogo.
8/19/20255 min read



Portugal arde outra vez. Ano após ano, repetem-se as mesmas imagens: famílias a fugir das chamas, casas em risco, aldeias isoladas, paisagens inteiras reduzidas a cinzas em poucas horas. Em dias que parecem intermináveis, perdem-se não apenas florestas, mas também vidas, biodiversidade, memória coletiva e futuro.
O que nos devora não são apenas os incêndios, mas também a incapacidade de aprender com eles. Depois de cada verão ficam promessas de mudança, debates apressados e diagnósticos repetidos. Mas passado o calor, o país esquece — até que a tragédia volte para nos lembrar, da forma mais dura, que nada mudou no essencial.
Portugal não está preparado para ondas de calor cada vez mais intensas, para secas prolongadas, para fenómenos climáticos imprevisíveis que hoje já não são exceção, mas regra. Continuamos sem uma resposta à altura desta nova realidade, que só se agravará nos próximos anos. Cada verão sem transformação estrutural é um passo mais fundo num ciclo que ameaça comunidades, territórios e vidas.
As respostas adotadas até hoje têm-se revelado insuficientes e até contraproducentes. Milhões de euros continuam a ser canalizados para sistemas de gestão de combustível e faixas de proteção que, ano após ano, falham em conter incêndios. Esta aposta, limitada e imediatista, tem contribuído mais para a degradação ambiental do que para a construção de resiliência a médio e longo prazo.
Persiste também a narrativa simplista de que o problema está no “mato por limpar”, falta de acessos ou falta de meios. Não é financeiramente viável, logisticamente operacional ou ambientalmente sensato manter uma gestão permanente de milhões de hectares contínuos todos os anos, é sim completamente surrealista!
Importa também reconhecer que nunca será possível “livrar” o país de áreas com elevado risco de incêndio. A diferença estará na forma como gerimos e monitorizamos essas áreas, que têm de ser alvo de vigilância muito mais apertada. É inconcebível que, depois de tantos alertas, tenham surgido cerca de 200 novos focos de incêndio nos dois dias identificados como os mais críticos desta época. Este nível de negligência, ou até de atuação criminosa, é absolutamente inaceitável num país que se queira sério na mitigação dos riscos associados aos incêndios.
Programas com potencial transformador, como os Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem (PRGPs) e as Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGPs), parecem ter encontrado bloqueios administrativos, e as Operações Integradas de Gestão da Paisagem (OIGPs) foram até hoje reduzidas a meras iniciativas de limpeza pontual, falhando no seu objetivo fundamental de diversificação do uso do solo e criação de mosaicos de paisagem resilientes. O uso de dinheiros públicos deve servir para reconversões e/ou manutenções de sistemas que prestam serviços de ecossistema à sociedade, e não para cobrir responsabilidades de plantações industriais para produção de madeira, cujos únicos benefícios são para os proprietários.
Enquanto isso, um pouco por todo o país, crescem as manchas de plantas invasoras que prosperam com os incêndios, assim como as plantações desordenadas de eucalipto e pinheiro, em contradição com as metas nacionais de redução destas áreas. Muitas destas plantações ocorrem de forma ilegal, sem fiscalização eficaz, contribuindo para a manutenção de um modelo florestal de elevado risco e baixa sustentabilidade.
As nossas propostas
O Grupo Faixas Vivas defende uma transformação estrutural e integrada, assente em medidas de longo prazo:
Diversificação da paisagem:
Cotas anuais de reconversão de uso de solo vinculativas em áreas de maior perigosidade de incêndio. Aqui, plantações desordenadas e áreas de matos com baixo valor de conservação devem ser reconvertidos em sistemas mais resilientes de acordo com as condições edafoclimáticas locais.
Aceleração da implementação de Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGPs) e Programas Regionais de Gestão da Paisagem (PRGPs), com reforço orçamental e redução da burocracia.
Ajustar os Programas Regionais de Ordenamento Florestal (PROFs) para refletir uma visão de maior diversificação dos sistemas florestais.
Redirecionar investimentos:
Financiar sistemas produtivos resilientes e florestas de conservação ou mistas em vez de apenas pagar pela “limpeza” repetitiva do mato.
Canalizar apoios para florestas mistas, biodiversas e mais resistentes ao fogo, e para sistemas agroflorestais e agropecuários diversos.
Reforma do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR):
Ajuste imediato dos critérios de gestão de combustível, de acordo com o Manifesto Faixas Vivas, adotando critérios ecológicos mais rigorosos tanto na gestão de vegetação como na escolha de locais preferenciais para a mesma, e visando sistemas que progressivamente necessitem de menos gestão contínua.
Criação de zonas florestais de folhosas mais resistentes ao fogo tais como de carvalhos, sobreiros, castanheiros, entre outros, em escala suficiente para retardar a propagação das chamas, como já foi evidenciado várias vezes. Estas zonas virão também a servir de corredores ecológicos para a biodiversidade - Faixas Vivas!
Integração estratégica:
Articular o SGIFR com estratégias de biodiversidade, PAC, planos de desenvolvimento regional e até políticas de turismo, otimizando recursos e resultados.
Fiscalização e vigilância:
Reforço da fiscalização em plantações ilegais de eucalipto.
Reforço da fiscalização na aplicação incorreta das normas do SGIFR, como em casos de cortes indiscriminados de folhosas com valor de conservação e de bosques ensombrados (ou com potencial de o ser).
Vigilância intensiva em áreas críticas no período de maior risco, incluindo eventuais interdições temporárias de acesso em dias extremos.
Restauro pós-fogo (a curto prazo):
Criação urgente de planos de restauro e reflorestação articulados com objetivos de prevenção, conservação e desenvolvimento regional.
Abertura de linhas de financiamento para reconversão de áreas ardidas em sistemas mais resilientes: bosques de folhosas, montados, florestas mistas e sistemas agroflorestais compatíveis.
Estamos a perder, ano após ano, oportunidades de transformar estruturalmente o nosso território. A crise climática já não é um aviso distante: é a realidade que nos sufoca em cada verão de chamas. Se nada fizermos de diferente, estaremos condenados a viver num país sob a ameaça constante de incêndios incontroláveis e a consequente desertificação do território, tanto humana como ambiental.
O financiamento existe, mas está a ser mal direcionado. A vontade existe, mas está a ser bloqueada por inércia e falta de visão política. Não nos podemos resignar a este destino. É urgente virar a página e construir um modelo de país mais resiliente, produtivo e sustentável, onde a floresta é aliada do desenvolvimento e não combustível do desastre.
O Grupo Faixas Vivas, rede de organizações, empresas e cidadãos, continuará a lutar por um Portugal com menos fogos e mais biodiversidade. Exigimos coragem para tomar decisões à altura da ameaça que enfrentamos. Precisamos de um debate sério e permanente sobre ordenamento do território, não apenas quando a tragédia nos bate à porta.
Já não há tempo para adiar. Cada incêndio é um alerta, cada verão perdido é uma oportunidade que não volta.
Juntos pela reforma ecológica do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais
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Em colaboração com:























































